Tradicionalmente, quando mais linear fosse uma carreira, quanto mais tempo uma pessoa passasse na empresa, quanto mais lento fosse seu desenvolvimento dentro de uma organização, melhor era seu currículo. A carreira dos sonhos era aquela em que você entrava numa companhia como estagiário e saía como CEO.
Não estou desmerecendo quem fez essa carreira, que é excepcional, porém típica do passado. Hoje, ter uma carreira em ziguezague, que passa por várias áreas diferentes, que eventualmente passa por profissões diferentes, resulta num bom portfólio. Atividades que você, no passado, jamais colocaria no seu currículo, porque não pareciam relevantes, agora são bem-vindas. Uma viagem que eu fiz, de volta ao mundo, quando tinha 30 anos, não era relevante profissionalmente no passado. Talvez contasse pontos contra mim, porque, num certo momento da minha vida profissional, parei de trabalhar durante um ano, que passei viajando.
Acredito que hoje esse é um dado relevante. A ideia de adaptação a mudanças agora é crítica. Mostrar que você é capaz de aprender, tem apetite para aprender o tempo todo, é crítico. Porque, a rigor, não sabemos o que será preciso aprender.
O que não falta são listas de competências para o profissional do futuro. Eu mesmo publico várias delas aqui. É difícil prever o que será mesmo relevante, porque o cenário está mudando muito rapidamente. Meu penúltimo livro, uma coautoria com a Clara Cecchini, chama-se Aprendiz Ágil. O que fizemos ali foi pegar a ideia do modelo ágil de trabalho, consagrado para o desenvolvimento de produtos, e aplicá-la para o aprendizado. Acho que isso hoje é até mais válido do que era em 2021, quando Clara e eu lançamos o livro. Adotar uma abordagem de aprendizagem ágil - que tem a ver com lifelong learning, que tem a ver com intencionalidade - é uma estratégia para se manter relevante profissionalmente. Quase tudo pelo que a gente se interessa, hoje em dia, pode ser útil de se aprender.
Currículos que contam histórias apostam no valor das experiências fora de um roteiro convencional. O novo profissional é curioso, ágil, em constante mudança.
O currículo tradicional está morto. Parar para viajar pode contar ponto no futuro das carreiras. Aprender sempre é a habilidade mais importante do século XXI.
Entre prompts e poesia
Esse apetite por aprender o tempo todo, usar toda oportunidade para aprender, descobrir um tema novo, se apaixonar por ele e mergulhar, é valioso. Pode ser engenharia de prompts. Ou literatura. A segunda opção me parece tão útil quanto a primeira, à luz das discussões ligadas ao universo da inteligência artificial. Quais empregos serão substituídos? Quais profissionais correm mais riscos?
As listas nem sempre convergem. Há um grupo de trabalhadores que não vai ser atingido. São os chamados profissionais do cuidado. Enfermeiros estão nesse grupo e correm menos riscos de ser automatizados do que os médicos, embora estes últimos tenham uma formação melhor. Acolhimento não se automatiza.
Profissionais que não precisam de computador para trabalhar provavelmente não serão atingidos pela IA. Mas há outro grupo de trabalhadores, mais próximo do nosso universo de profissionais do conhecimento, que também utiliza um computador e um celular em suas atividades, e está relativamente seguro. É o das pessoas que têm no olhar, no feeling, na experiência de vida seu principal ativo profissional. Criatividade é um “setor” que dizíamos, poucos anos atrás, que não seria afetado pela IA. E está sendo diretamente afetado. A publicidade é um ótimo exemplo, mas não é o único. Há uma enorme discussão em Hollywood sobre inteligência artificial substituindo roteiristas. Não há áreas seguras, mas sobrevive a valorização do olhar, do feeling, da experiência de vida. Não acho que ninguém lê esta newsletter ou meus livros - ou vai ouvir meu futuro podcast - porque ofereço um conteúdo que uma inteligência artificial não seria capaz de produzir. Uma IA já é capaz de escrever um boletim informativo sobre o presente e o futuro do trabalho. As pessoas que me leem, que me ouvem, provavelmente o fazem porque se interessam pelo meu olhar, pela minha curadoria, pela minha experiência de vida. Desenvolver a capacidade de conectar pontos é crucial.
Como conecto o meu interesse por arte urbana e jazz com minha pesquisa sobre o mundo do trabalho? Essa interdisciplinaridade é preciosa neste momento. O que a IA ainda não tem? Olhar, feeling e uma vida vivida. Entre prompts e poesia, o valor da experiência humana é o que ainda nos torna únicos. Sim, a máquina sabe muito. Mas só gente conecta pontos. Com cuidado, curiosidade e conexões.
A era da gestão algorítmica
Quase todas as áreas ocupadas por pessoas muito qualificadas provavelmente vão encolher, porque muitas das tarefas de gestão vão ser delegadas para IAs.
Diz o clichê que a inteligência artificial é boa porque faz os trabalhos mais repetitivos, que muitas vezes demandam muito tempo, e liberam as melhores pessoas para fazer trabalhos criativos. É um clichê perigoso e imperfeito, porque muito trabalho criativo está sendo feito por inteligência artificial. Mas, de certo modo, se olharmos para os próximos anos, é razoável entender que, sim, muita tarefa hoje repetitiva, dentro de quase todas as empresas, em quase todo setor, será automatizada. Isso significa que uma parte das pessoas vai ser demitida - e isso vale para qualquer nível, inclusive para gestores. E outra parte vai mesmo ser liberada das tarefas mais chatas e poderá fazer trabalhos mais criativos.
No limite, eu diria que gestores e gestoras, pessoas em posição de liderança, vão ser tanto mais úteis quanto mais bem preparadas e vocacionadas para lidar com outras pessoas. Me refiro aqui a mentoria, à capacidade de dar bons feedbacks, de orientar. A tudo aquilo que possa ajudar alguém a melhorar profissionalmente.
Curiosamente, gestores mais técnicos, que talvez hoje até sejam um pouco mais valorizados no mercado, tendem a se tornar menos importantes, pois a IA fará a gestão do que é técnico. Faço um paralelo com programadores. Até outro dia, se dizia: “todo mundo deve ter pelo menos um letramento em programação, porque quem não souber programar estará morto profissionalmente". Mentira. Boa parte da programação já está sendo feita por inteligência artificial. É possível criar um aplicativo sem saber escrever uma linha de código. Você delega para uma IA.
Gente que lida bem com gente está em melhor posição para atravessar esta fase de transição e se transformar no mítico profissional do futuro.
O futuro da liderança não é técnico. É humano. A IA vai assumir tarefas. Quem assumirá as pessoas? Gente que gosta de gente. Programar já não é diferencial. Ser um gestor técnico também não será. No futuro do trabalho, liderar é mentorar. Profissionais do futuro são aqueles que sabem cuidar.
Sua história é seu maior ativo
A autoralidade, um dos temas do Aprendiz Ágil, vai ganhar mais relevância.
Clara Cecchini faz esta observação com mais precisão que eu, mas, basicamente, a ideia é menos ser protagonista do que ser autor. A minha experiência de vida, as diferentes coisas que fiz, profissionalmente sim, mas também nas esferas pessoal, social e afetiva, esse conjunto de situações e de circunstâncias que tornam cada um de nós uma pessoa diferente das demais é cada vez mais valioso. Porque isso é o que nos faz únicos. É o que nos faz humanos. Não quer dizer que um é melhor do que o outro. Quer dizer que um é diferente do outro.
O que nos leva de volta às novas maneiras de se apresentar profissionalmente, conectando os pontos de nossas experiências. Usar suas vivências para mostrar quem você é e como você pode trabalhar e responder aos desafios. Digo isso com base em observação e percepção. Não tenho um estudo que possa citar para comprovar que essa abordagem para carreiras está mesmo sendo valorizada.
Adoraria discutir com recrutadores que lidam com milhares de currículos no dia a dia se essa questão da autoralidade já começa a se refletir em currículos - artefatos do século passado de cuja relevância tenho dúvidas.
Será que um currículo ainda é relevante em 2025? De alguma maneira é, porque em quase todo processo seletivo a primeira etapa é uma seleção de currículos - que em boa medida já é feita por inteligência artificial, e isso tem gerado muito questionamento e controvérsia. O processo de recrutamento e seleção é um dos segmentos de recursos humanos onde mais depressa se avançou no uso de IA.
Evidenciaram-se problemas de viés. Sobretudo raciais. Dependendo de como a inteligência artificial é treinada, de qual a base de dados, de como o algoritmo é instruído a funcionar, a automação tende a reforçar viéses - que, vale sempre lembrar, são humanos. Se não houver intencionalidade em eliminá-los, a IA os reproduzirá em escala aumentada. A grande questão aqui, porém, é outra: será que numa seleção com a primeira triagem feita por IA, a autoralidade trazida pela experiência de vida é valorizada? Depende de como essas IAs forem treinadas e de até que ponto elas vão decidir que candidato passa adiante.
Hoje já se pode automatizar 100% do processo de recrutamento, porque já temos inteligências artificiais fazendo não só a triagem de currículos, mas também as entrevistas de emprego. Isso gera um problema curiosíssimo. As pessoas que passam por processos seletivos nos quais as entrevistas são feitas por IA tendem a se comportar de modo diferente do qual se comportariam se estivessem diante de um entrevistador de carne e osso. Elas tendem a assumir um comportamento mais robótico, no sentido de tentar ser tão técnicas quanto possível. O que não é o esperado, pois a inteligência artificial não deve ter sido treinada para premiar esse comportamento. No melhor cenário, contudo, em algum momento a pessoa que se candidata a um emprego deveria ter oportunidade de conversar com um outro ser humano. Porque a melhor maneira de se perceber a autoralidade, a disposição para aprender, a adaptabilidade, é com o bom e velho olho no olho.
Ajudamos organizações a compreender as transformações em curso no trabalho - e se antecipar a elas. Saiba o que a ODDDA pode fazer por você.
Entre em contato:
oddda.futuro@gmail.com | LinkedIn | Whatsapp (Alexandre Teixeira)
ADORO SEUS POSTS. Me inspiram e iniciam meu fim-de-semana.