Viralizou nesta semana um post do
no Instagram, com o título “Não basta ser CEO, tem que ser triatleta". Trata de como o desempenho esportivo de primeira grandeza tornou-se “um atributo desejável - sinônimo de foco, disciplina e resiliência - no LinkedIn". De certo modo, é mais um elemento da reinvenção do currículo sobre a qual escrevi na semana passada. Até outro dia, correr, pedalar e nadar eram simples hobbies e não tinham lugar em nossas apresentações profissionais. O jogo hoje é outro. “A otimização extrema é o fio condutor de um estilo de vida orientado à performance, que tem a disciplina como seu maior atributo", afirma o The Summer Hunter. “A busca constante por resultados e superação pauta todas as escolhas." Esses, explica o post, são os pilares de um comportamento identificado em um relatório sobre tendências do mercado esportivo publicado pela agência Rahal/Sachs e a consultoria DEZON.No que o Summer Hunter (perfil bem legal, que só conheci nesta semana) chama de Era do CEO Atleta, “o esporte de alto rendimento é visto como potencializador do desempenho no trabalho". Correr uma maratona, por exemplo, nos ajudaria a desenvolver “qualidades indispensáveis para administrar uma empresa", como resiliência, determinação e foco. A tese é boa no atacado, mas é também perigosa.
Cuidar da própria saúde, testar seus limites numa atividade extracurricular, ter o apetite necessário para se impor metas ousadas muito provavelmente tem sim impacto positivo sobre o desempenho no trabalho. O meio empresarial gosta de frases motivacionais - “Como você vai liderar os outros, se antes não se lidera” - e de metáforas inspiradoras - “Em caso de despressurização da cabine, coloque primeiro a máscara de oxigênio em você e só depois auxilie outras pessoas” - que apontam para um certo perfil de profissional. O perigo está na suposição de que só CEOs (tri)atletas dão conta desse recado. Esporte de alto desempenho, como regra, é algo para gente com o biotipo adequado, ótima saúde, tempo, energia e dinheiro para treinar em regime semi-profissional. É uma lista quase perfeita de ingredientes para uma receita de exclusão. Gente gorda, com problemas crônicos de saúde, PCDs, mulheres em dupla ou tripla jornada, entre outros, estão fora.
Não se trata de desqualificar CEOs esportistas. Há vários executivos e executivas com esse perfil em meu livro Rotinas Criativas, de 2015. Várias de suas histórias são inspiradoras. Ajudaram a criar um ambiente profissional mais saudável do que o que conheci no início de minha carreira de jornalista, uns 30 anos atrás, quando almoços de negócios começavam rotineiramente com um aperitivo pra “abrir o apetite” e terminavam com um “digestivo". Meu ponto é que esse é UM perfil admirável de liderança, e não o único perfil. Óbvio? Talvez, mas em tempos de caça às bruxas da diversidade e inclusão, o óbvio às vezes precisa ser dito.
Acrescento um comentário feito no post do Summer Hunting: “É válido o texto, tem fundamento em algumas ocasiões, mas não vamos transformar nosso olhar, nem sob o triatlo, nem sob as práticas de cuidado com a saúde e o treinamento, só nisso. Tenho um grupo imenso de triatletas e corredores, pouquíssimos estão nessas posições, menos ainda são os que fazem de seus feitos esportivos algo pretensiosamente inspirador e obrigatório aos seus subordinados. Cada pessoa que tem energia e condições de se exercitar, sabe, ou procura saber o que é bom para si. Se uma liderança - obrigatoriamente os CEOs são líderes - gosta e consegue colocar seu corpo em provas de esforço, ele não é o único, mas ajuda de alguma forma a lembrar que temos outras paixões além do dinheiro e das posições profissionais. Óbvio que tem as malas, muitas malas que 'pablomarceleiam o triatlo, mas são minoria.” Quem precisa de Pablos Marçais?
Nem todo líder corre maratonas (e tá tudo bem). O culto ao mítico CEO de alta performance esportiva injeta ainda mais pressão a um ambiente já explosivo.
A Era Agêntica
“Agentes de IA estão remodelando o cenário competitivo", afirma a McKinsey. “Se bem utilizados, oferecem aos retardatários uma chance de dar um salto à frente. Se mal utilizados — ou nem sequer utilizados —, podem acelerar a queda dos líderes atuais. Este é um momento de divergência estratégica." Quase oito em cada dez empresas relatam usar IA generativa, mas muitas não relatam nenhum impacto significativo nos resultados financeiros. "Pense nisso como o 'paradoxo da IA generativa'", ponderam os autores de um relatório de 28 páginas sobre o tema. "No centro desse paradoxo está um desequilíbrio entre copilotos e chatbots 'horizontais' (atuam em toda a empresa) — que cresceram rapidamente, mas oferecem ganhos difusos e difíceis de mensurar — e casos de uso 'vertical' (específicos de uma função) mais transformadores — cerca de 90% dos quais permanecem presos no modo piloto.” Agentes de IA oferecem uma maneira de romper com o paradoxo da IA generativa, afirma o relatório. Eles têm o potencial de "automatizar processos de negócios complexos — combinando autonomia, planejamento, memória e integração — para transformar a IA generativa de uma ferramenta reativa em um colaborador virtual proativo e orientado a objetivos”.
"Essa mudança permite muito mais do que eficiência. Os agentes potencializam a agilidade operacional e criam novas oportunidades de receita", explicam os seis articulistas da McKinsey. "Mas liberar todo o potencial da IA agêntica exige mais do que conectar agentes aos fluxos de trabalho existentes. É preciso reinventar esses fluxos de trabalho do zero — com os agentes no centro. Um novo paradigma de arquitetura de IA — a malha de IA agêntica — é necessário para governar o cenário de IA organizacional em rápida evolução e permitir que as equipes combinem agentes personalizados e prontos para uso, ao mesmo tempo em que gerenciam a crescente dívida técnica e novas classes de risco."
O maior desafio não será técnico, observa a McKinsey. “Será humano: conquistar confiança, impulsionar a adoção e estabelecer a governança correta para gerenciar a autonomia dos agentes e evitar a proliferação descontrolada.”
"Para escalar o impacto na era dos agentes, as organizações devem redefinir suas abordagens de transformação de IA de iniciativas dispersas para programas estratégicos", ponderam os consultores. “De casos de uso para processos de negócios; de equipes de IA isoladas para equipes de transformação multifuncionais; e da experimentação para entrega industrializada e escalável.”
As organizações também vão precisar estabelecer as bases para operar com eficácia na "era agêntica": qualificar a força de trabalho, adaptar a infraestrutura tecnológica, acelerar a produtização de dados e implementar mecanismos de governança para cada agente. “Chegou a hora de encerrar o capítulo da experimentação com IA generativa — uma mudança que só o CEO pode fazer.”
Quando a IA atrasa
Um novo estudo apontou que, ao contrário do que se imaginava, ferramentas de inteligência artificial podem até atrapalhar, e não acelerar, desenvolvedores experientes quando eles lidam com códigos que já conhecem. A pesquisa foi conduzida pela organização METR, com programadores de projetos open source usando o Cursor, uma das IAs de codificação mais populares. A expectativa era de ganho de tempo, mas o resultado foi o oposto, e as tarefas demoraram 19% mais. Isso porque as sugestões da IA exigem revisão constante, mas mesmo assim continuam sendo usadas, já que, segundo os autores, escrever com ajuda de IA torna o processo menos cansativo, informou o Meio citando a Reuters.
Antes do estudo, os desenvolvedores de código aberto acreditavam que o uso de IA os aceleraria, estimando que reduziria o tempo de conclusão das tarefas em 24%. Mesmo após concluírem as tarefas com IA, acreditavam ter reduzido o tempo das tarefas em 20%. Mas o estudo revelou que o uso de IA fez o oposto: aumentou o tempo de conclusão das tarefas em 19%. Os principais autores do estudo, Joel Becker e Nate Rush, disseram ter ficado chocados com os resultados: Rush havia escrito antes que esperava "uma aceleração de 2x, obviamente".
As descobertas desafiam a crença de que a IA sempre torna os caros engenheiros humanos muito mais produtivos, fator que atraiu investimentos substanciais em companhias que vendem produtos de IA para auxiliar no desenvolvimento de software, diz a Reuters. Espera-se também que a inteligência artificial substitua cargos de codificação de nível básico. Dario Amodei, CEO da Anthropic, disse recentemente à Axios que a IA pode eliminar metade de todos os empregos de escritório de nível básico nos próximos um a cinco anos. A literatura anterior sobre melhorias de produtividade encontrou ganhos significativos: um estudo descobriu que o uso de IA acelerou os programadores em 56%, lembra a Reuters.
Mas o novo estudo do METR mostra que esses ganhos não se aplicam a todos os cenários de desenvolvimento de software. Em particular, desenvolvedores mais experientes, intimamente familiarizados com as peculiaridades e requisitos de grandes bases de código aberto consolidadas, sofreram notável desaceleração.
Os autores alertaram que não esperam que a desaceleração se aplique a outros cenários, como para engenheiros juniores ou engenheiros que trabalham em bases de código com as quais não estão familiarizados. Ainda assim, a maioria dos participantes do estudo, bem como seus autores, continuam a usar o Cursor atualmente. Os pesquisadores acreditam que isso se deve ao fato de a IA tornar a experiência de desenvolvimento mais fácil e, por sua vez, mais agradável, como editar um artigo em vez de olhar para uma página em branco. "Desenvolvedores têm outros objetivos além de concluir a tarefa o mais rapidamente possível", disse Becker. "Então, eles estão optando por esse caminho menos trabalhoso."
O paradoxo dos programadores experientes parece ser o seguinte: "Codar" com IA é mais lento, mas menos cansativo. Produtividade não é tudo, e isso explica por que os "devs" ainda usam IA mesmo quando perdem tempo. Talvez esteja aí um custo invisível da assistência artificial: menos eficiência, com mais conforto.
O híbrido é o vilão?
O aprendizado no trabalho está sendo transformado pelo regime híbrido e pela IA, observa reportagem do Financial Times traduzida pela Folha. Jamie Dimon é inequívoco sobre o impacto do trabalho remoto no treinamento de banqueiros. “Não funciona em nosso negócio”, disse o CEO do JPMorgan Chase na Escola de Negócios de Stanford este ano. "Pessoas mais jovens [estão] ficando para trás."
Em muitos locais de trabalho, o modelo de aprendizado presencial é tão simples quanto sentar perto de um colega mais experiente ou participar de uma reunião com cliente para observar como o trabalho é feito, enquanto também se aprende as regras básicas, realizando tarefas muitas vezes mais repetitivas e básicas.
Mas o aprendizado no trabalho agora enfrenta a dupla ameaça do trabalho híbrido - no qual funcionários juniores passam menos tempo observando e ouvindo colegas mais experientes - e da IA generativa - que está tornando obsoletas muitas das tarefas rotineiras que há muito tempo são blocos de construção do conhecimento profissional. Esse efeito é observado em diversos setores, desde auditorias e escritórios de advocacia até grandes bancos de investimento. Empregadores estão investindo pesadamente em IA para auxiliar nas práticas de trabalho. No entanto, diz o Financial Times, ao eliminar tarefas repetitivas, os funcionários juniores não desenvolverão a memória muscular essencial para análise crítica, bem como a capacidade de identificar erros na IA.
Outra matéria, do Gizmodo, sustenta que o trabalho híbrido pode estar sufocando a inovação e impedindo o surgimento de novas ideias nas empresas. Uma pesquisa de longo prazo realizada na empresa indiana HCL Technologies mostrou que esse modelo pode ser mais problemático do que se imaginava.
"Durante o período de trabalho 100% remoto, os funcionários continuaram propondo ideias com frequência parecida à do ambiente presencial. Mas a qualidade caiu visivelmente. Já no regime híbrido, o impacto foi ainda mais severo: tanto a qualidade quanto a quantidade de ideias diminuíram de forma significativa", diz o relatório do estudo. Segundo os pesquisadores Michael Gibbs, Friederike Mengel e Christoph Siemroth, a inovação nasce do acaso — encontros no corredor, conversas informais, observações no ambiente comum. Tudo isso é perdido no modelo híbrido, no qual os canais de comunicação são fragmentados e o contexto compartilhado se esvazia. Curiosamente, o trabalho totalmente remoto não foi tão nocivo quanto se imaginava — desde que todos estivessem na mesma condição. “A dispersão causada pelo modelo híbrido é o verdadeiro vilão", afirma o estudo. "Isso porque exige esforço dobrado para manter a comunicação fluida e o espírito de equipe vivo”. A mensagem da pesquisa é clara para o Gizmodo: “a inovação não acontece no isolamento e tampouco pode ser agendada. Ela depende de trocas espontâneas, contexto comum e presença mútua. O modelo híbrido, embora confortável, pode estar minando exatamente aquilo que mais impulsiona o progresso: a criatividade coletiva”. Se esses insights forem confirmados por outras pesquisas, teremos de lidar com os custos invisíveis do trabalho híbrido: aprendizado em risco e inovação em queda.
Ajudamos organizações a compreender as transformações em curso no trabalho - e se antecipar a elas. Saiba o que a ODDDA pode fazer por você.
Entre em contato:
oddda.futuro@gmail.com | LinkedIn | Whatsapp (Alexandre Teixeira)